Como instrutora de órgãos públicos tenho escrito muito sobre contratações públicas, sobre licitações e dispensas, sobre penalizações de empresas, pregão eletrônico, comissões de planejamento e tantos outros temas relacionados.
Como advogada tenho falado bastante sobre separação e divórcio, sobre desconstruir velhos padrões para modernizar conceitos (o que era certo antes parece não importar tanto e já falamos em homens que agridem muito mais pela via psicológica do que ignorantes seres agrediriam à face).
Como mãe tenho atuado bastante no propósito de aceitar a geração que não cabe mais em minha rigorosa educação e imanentes cobranças íntimas, me esforçando para compreender as diferenças que não faziam tanta importância no passado, hoje aguçadas pela excessiva defesa de igualdade (ainda que não me pareça tão igual em ideologia e valor, considerando que não se costuma ver os “verdadeiramente” iguais em encenações enfáticas de verdades “engolidas”).
Como servidora pública que sou, orgulhosa das tantas décadas dedicadas a fazer o melhor em nome da minha instituição, passo longe de me orgulhar de tantas investidas em nome da modernidade que não preserva velhas amizades construídas no labor dos bons tempos, ao contrário, afasta e divide ideias na ânsia vazia de provocar animosidades e criar concorrentes pelos corredores frios de tempos estranhos.
Dentre tantos outros papeis que me habituei a desenvolver, tenho descoberto que a minha melhor versão não está em ensinar ou aprender sobre licitações, pois o reconhecimento que adquiri não vem das regras técnicas que dissemino ou das escritas jurídicas que tanto me orgulham, nem das dicas que todos os dias repasso aos meus colegas.
Descobri recentemente, em dias de ficar em casa, que o que mais agrada o meu público ( e como sou grata aos admiradores que conquistei!) não se resume aos temas debatidos por tantos outros profissionais que existem no mercado (gente boa que sabe o que fala tanto ou mais do que eu), o que agrada as pessoas, decididamente, é o que está nas entrelinhas, o que se representa nos gestos que demonstram o que somos muito mais do que o que sabemos, porque as pessoas tem sentido falta de humanidade, do calor no olhar daquele que fala e não exatamente no que ele fala.
Descobri que meus colegas servidores públicos gostam de mim pelo que eu transmito muito mais do que pelo que minhas palavras dizem, eles gostam de me ouvir porque falo da sua rotina, dos medos, angústias, cobranças, erros…falo das ideias que não deram certo dada a intensão de serem perfeitas, do jurista que se tornou chato por não evoluir da linguagem essencialmente técnica e desprovida de prática para a realidade de cada “pequeno órgão” com as suas dificuldades de todas as ordens.
Meus colegas se aproximam mais de mim por me verem descalça em auditórios lotados quando os sapatos deixaram de ser problema e me tornaram uma pessoa comum, igual aos meus ouvintes mais “cheios de dúvidas”, e se aproximam mais a cada vez que eu defendo a ideia de que os erros desprovidos de má-fé não são àqueles que condenam, ou que o problema está muito mais na forma (sem materialização de atos reais às formalidades processuais) do que nos procedimentos atípicos para adaptação a realidade de cada ente.
Graças aos colegas que acreditaram em mim até aqui, e por eles, ultrapassei barreiras antes impostas ao aprendizado repassado (porque ensinar é aprender e dividir o que se aprende é aprender mais a cada discussão que se oportuniza), onde as vozes críticas observam e percebem que ensinar não é assessorar, mas, antes, é melhorar cada um e estimular potenciais.
Em dias de ficar em casa eu pude refletir sobre o que venho conquistando nos tempos que se encarregam de me tornar “mais leve”, eu pude enxergar pequenas conquistas que hoje me parecem tão grandes e compreender tantas coisas que não tem mais o menor valor para mim.
Em dias de ficar em casa, tenho descoberto o quão importante me foram as dificuldades do caminho, o quanto o “cair e levantar” me fortaleceu ao longo da jornada e o quanto nos distanciamos da verdadeira felicidade, que é simples como a cadeira de fio de náilon na porta da nossa casa (feliz daquele que ainda pode ter este privilégio, porque os portões adornados por cercas elétricas e alarmes, revestidos das conquistas financeiras que nos afastam da simplicidade, não são mais capazes de traduzir a felicidade).
Que bom que os dias de ficar em casa estão servindo aos freios necessários à observação dos reais motivos da felicidade, nos oportunizando valorar todas as coisas da vida com os olhos da simplicidade.
Excelente reflexão!!! Te amo muito Si, minha principal fonte de inspiração 🤗😍!