ADESÃO A ATA DE REGISTRO DE PREÇOS DE CONSÓRCIO INTERMUNICIPAL

 Mais uma vez falo sobre o Sistema de Registro de Preços – SRP, considerando que, embora o tema tenha sido regulamentado numa seção específica da nova lei de licitações, questões mais complexas afetas a Ata de Registro de Preços-ARP precisam ser enfrentadas na norma local.

 Um dos temas que tem causado discussões e dúvidas país à fora consiste na possibilidade ou não de se aderir à ARP de consórcio intermunicipal, ou seja, os municípios que fazem parte do consórcio podem participar, desde sempre, na condição de órgão participante, mas e outros entes municipais e estaduais podem participar ou aderir à ARP de consórcio intermunicipal?

Hoje abordarei aqui a possibilidade ou não de entes de outro nível federativo aderir à ARP de consórcios intermunicipais.

 No novo regime temos a seguinte disposição na Lei 14.133, de 2021: 

Art. 86. O órgão ou entidade gerenciadora deverá, na fase preparatória do processo licitatório, para fins de registro de preços, realizar procedimento público de intenção de registro de preços para, nos termos de regulamento, possibilitar, pelo prazo mínimo de 8 (oito) dias úteis, a participação de outros órgãos ou entidades na respectiva ata e determinar a estimativa total de quantidades da contratação.

(…)

  • 3º A faculdade de aderir à ata de registro de preços na condição de não participante poderá ser exercida:

I – por órgãos e entidades da Administração Pública federal, estadual, distrital e municipal, relativamente a ata de registro de preços de órgão ou entidade gerenciadora federal, estadual ou distrital; ou

II – por órgãos e entidades da Administração Pública municipal, relativamente a ata de registro de preços de órgão ou entidade gerenciadora municipal, desde que o sistema de registro de preços tenha sido formalizado mediante licitação.

 Torno registrar em meu escritos, que para a interpretação da norma geral de licitações, pertinente que nos desvinculemos das interpretações anteriores que se relacionam à velha lei e iniciar pela pretensão do legislador, que intenta “criar um novo regime”, e, para tanto, novas regras e novas interpretações serão necessárias.

 Nesse sentido, o nosso maior desafio parece ser a libertação de antigos conceitos e ultrapassados precedentes para construir um novo regime licitatório, mais moderno e atualizado, capaz de realmente atender as necessidades da Administração.

 Acerca da Intenção de Registro de Preços – IRP, que possibilitaria a participação de outros órgãos no SRP de um ente público, além das limitações prescritas nos incisos I e II do artigo 86 da NLL, nota-se requerer apreciação detida em cada caso, conforme regramento interno do órgão ou entidade promotora do certame.

 Sobre o tema transcrevo o ensinamento do professor Ronny Charles Lopes Torres[1] na defesa de que vários são os fatores que podem, em sede de planejamento, definir a não formalização do IRP, ou mesmo a limitação de órgãos participantes, registrando trata-se de regra materialmente específica, que pode ser diferentemente disciplinada na legislação local.

Contudo, este artigo enfrenta outra questão afeta ao SRP, a possibilidade de órgãos estaduais ou municipais aderirem a ARP de consórcio intermunicipal (portanto, a possibilidade de outros entes federados ao gerenciador da ARP, aderir a atas de municípios).

 Explico: o TCM/BA, em decisão acerca da impossibilidade de adesão à ARP de consórcios intermunicipais por outros municípios (posição proferida antes da alteração do texto da norma geral, com a inserção dos incisos I e II no § 3º do artigo 86, da Lei 14.133, de 2021), consigna um ponto importante a ser observado na questão ora posta:

O consórcio que optar pela personalidade jurídica de direito público se constituirá como associação pública e, nos termos do art. 6º, §1º da Lei nº 11.107/2005, passará a integrar a Administração Indireta de todos os Entes da Federação consorciados, com natureza autárquica (Processo nº 00990e22-TCM/BA).

 A partir da concepção acima, pode-se traçar a premissa da questão, a natureza jurídica dos consórcios públicos municipais que equiparam-se a órgãos da Administração Indireta dos Municípios que o integram, ou seja: O Consórcio deve publicar a Intenção de Registro de Preços – IRP, possibilitando a participação dos municípios que o integram, posteriormente, não há que ser suscitada dúvida, quem pode o mais, pode o menos que seria a adesão de quem, dentre estes entes, não participou do SRP, mas e os órgãos estaduais e os outros municípios que não integram o consórcio?

Sobre o tema, a Lei 14.133, de 2021 prescreve que:

A faculdade de aderir à ata de registro de preços na condição de não participante poderá ser exercida por órgãos e entidades da Administração Pública federal, estadual, distrital e municipal, relativamente a ata de registro de preços de órgão ou entidade gerenciadora federal, estadual ou distrital; ou por órgãos e entidades da Administração Pública municipal, relativamente a ata de registro de preços de órgão ou entidade gerenciadora municipal, desde que o sistema de registro de preços tenha sido formalizado mediante licitação (art. 86, § 3º, I e II).

Nesse sentido, a norma geral foi explícita quanto a possibilidade de participação de outros municípios em ata de município, e de órgãos estaduais em ARP de outros Estados, da União e do Distrito Federal, ou seja, de entes do mesmo nível e de nível superior (entes federais), e também quanto a possibilidade da União (a quem lhe cabe o poder regulamentar), aderir à ARP de entes da própria União, de Estados e do distrito Federal (entes de menor nível).

Vejamos como esse entendimento pode ser facilitado:

Sendo assim, acerca da participação do Estado e do Distrito Federal em ARP de municípios, entes de menor nível, a lei geral foi omissa, e, reconheceu o erro que, na primeira versão da norma, vedou a participação dos municípios na ARP de outros municípios, alterando a disposição através da Lei 14.770, de 2023.

A alteração da norma, deixa evidente o respeito às necessidades individualizadas de cada ente e a possibilidade de decisão autônoma para o atendimento dessas necessidades a partir da melhor solução de mercado, que pode resultar, conforme estudo preliminar do interessado (em prestígio ao pacto federativo e a heterogeneidade federativa), na viabilidade de adesão, por exemplo, de um órgão estadual, a uma ARP de um município, e, consequentemente, de um consórcio intermunicipal, de igual forma a adesão de órgão municipal a ata de consórcio, a qual não participe o município.

Observa-se, porém, que a possibilidade de adesão à ARP de qualquer ente, está condicionada à consulta do órgão não participante ao seu gerenciador, a quem incumbe, dentre outras, aceitar ou recusar o pedido, motivadamente, e, segundo a sua norma interna, os órgãos gerenciadores deverão fundamentar o pleito, ou seja, mais uma vez, conforme a sua norma e fundamento de eventual não publicação da IRP ou limitação de número de órgãos participantes, permitir ou não a adesão em sua própria ata.

Da mesma forma que as normas internas devem enfrentar os temas mais polêmicos e discordantes entre correntes doutrinárias e/ou precedentes (e não somente transcrever o texto da norma geral, que não dispõem sobre subtemas que não são de sua competência), os mesmos entes (com competência para definições no seu âmbito interno), devem observar as normas de outros entes (com igual competência para decidirem sobre o assunto na sua esfera), o que nos facilita a compreensão de que aderir à ARP de outro ente vai depender então não só das possibilidades instituídas na regra geral, como também das limitações das normas dos envolvidos (órgão que solicita a adesão e órgão gerenciador), bem como ainda, de circunstâncias do caso concreto, face motivação no estudo técnico preliminar e disposição inserida no Edital (que consiste em instrumento que também institui regras e impõe a sua obediência).

Então, questões relevantes do SRP devem ser enfrentadas por norma interna, a exemplo dos temas postos e de outros que por sua importância, merecem tratativa objetiva para, na hora de sua aplicação, não resultarem em insegurança na atuação dos agentes que operacionalizarão as compras públicas.

 Não poderia finalizar esse artigo onde me proponho a tratar de um tema aparentemente ‘simples’ mas que desdobra-se em várias vertentes, sem registrar minha preocupação com a estrutura e preparo dos entes consorciados para a atuação como órgão gerenciador no novo regime licitatório, posto que tenho visto muitos editais de consórcios  que sequer tratam adequadamente da forma como os próprios consorciados podem participar ou aderir ao SRP, denotando que, inobstante autorização legal, as normas internas continuam falhas, talvez devido ao pouco amadurecimento da nova lei de licitações.

Concluo registrando mais uma vez que embora em plena utilização do novo regime, a transição para a nova lei de licitações ainda está em fase de implementação.

Qual sua Dúvida?