O Poder Público é, sem dúvida, o maior comprador do país. A Administração Pública precisa operacionalizar a sua estrutura e manter a continuidade da prestação de serviços públicos, e para tanto, adquire os mais variados produtos e contrata os mais diferentes serviços (engenharia, elétrica, jardinagem, segurança, etc) e não há crise capaz de mudar essa realidade.
Segundo dados divulgados no Portal de Compras do Governo Federal, para o corrente exercício já foram divulgados o total de R$ 22.000.000.000,00 em compras públicas. Desse valor, R$ 13.000.000.000,00 se referem aos processos destinados à ME/EPP/MEI, ou seja, 61,17% corresponde à participação de microempreendedores e empresas de pequeno porte.
(fonte: http://paineldecompras.economia.gov.br/processos-compra)
Embora o universo para contratar com órgão público seja vasto, especialmente pela utilização do formato eletrônico nas contratações, são necessárias formalidades legais para possibilitar a participação das beneficiárias da LC 123/2006, e, por falta de conhecimento de ambos os lados (servidores e fornecedores), em muitos municípios essa obrigação legal não vem sendo devidamente e constantemente aplicada no regime da Lei 8.666, de 1993.
A Nova Lei de Licitações, em prestígio ao disposto no artigo 170 da CF/88, que trata dos princípios norteadores da atividade econômica, definiu como obrigatório o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no Brasil.
O tratamento diferenciado surgiu para minimizar os efeitos da desigualdade social, para fomentar o empreendedorismo, gerando, assim, mais emprego e renda. Por tal razão, implementou-se a redução da burocracia, da carga tributária e trabalhista, além de facilitar o acesso a crédito e ainda, preferência e privilégios (leia-se simplificação) quando o assunto é aquisição de bens e serviços pelo Poder Público.
Trata-se, portanto, de direito constitucionalmente garantido, cujo cumprimento deve ser exigido e utilizado por todos aqueles que se enquadram como ME, EPP e MEI. E, ao contrário do que muitos acreditam, não há que se falar em ofensa ao princípio da isonomia, até porque, a ideia é justamente essa, tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida exata de suas desigualdades.
Sendo assim, diante da necessidade de se colocar em prática as regras constitucionais sobre o favorecimento às ME’s, EPP’s e MEI’s (e demais privilegiadas) e diante da pouca aplicabilidade no regime da velha lei, (8.666/93), a Nova Lei de Licitações traz como “obrigatória” a aplicação da LC 123, de 2006, inserindo, definitivamente as micro e pequenas empresas e microempreendedores individuais nas compras/contratações públicas.
Dentre os benefícios mais conhecidos estão a possibilidade de regularizar tardiamente eventual pendência fiscal e trabalhista e a observância da regra do empate ficto (que nada mais é do que a hipótese de considerar empatadas as propostas apresentadas por microempresas e empresas de pequeno porte e as demais, quando a diferença de valor estiver dentro dos limites definidos – até 5% para Pregão e até 10% para Concorrência).
E ainda: licitação exclusiva, na qual a Administração Pública realizará processo licitatório destinado exclusivamente às privilegiadas definidas na LC 123/06, nos itens de contratação com valores de até R$ 80.000,00, bem como a licitação com cota exclusiva ou cota reservada. Nesse último caso, a Administração deverá estabelecer nas licitações com valores superiores a R$ 80.000,00 e para aquisição de bens de natureza divisível, cota de até 25% do respectivo objeto para a contratação de ME’s, EPP’s e MEI’s (salvo se não houver no mínimo 03 potenciais fornecedores competitivos enquadrados como ME, EPP ou MEI, sediados no local ou regionalmente, capazes de cumprir as exigências do edital, ou ainda quando não se revelar vantajoso, ou representar prejuízo ao conjunto ou complexo do objeto a ser contratado).
Nesse contexto, sugerem as boas práticas que os benefícios sejam conhecidos (importante a ação de Governança CAPACITAÇÃO), pelos agentes que realizarão os estudos técnicos e TRs, para a abordagem do assunto, garantindo constar da contratação a utilização do benefício indicado e a elaboração de justificativas para a sua não utilização.
Outra grande oportunidade para fornecedores locais é a possibilidade de se estabelecer nos editais de licitação a prioridade de contratação para as ME’s, EPP’s e MEI’s sediados local ou regionalmente até o limite de 10% do melhor preço válido. Essa previsão autoriza que, após a fase competitiva, se a classificação apontar que a empresa inicialmente considerada vencedora não pertence ao município licitante, o Órgão responsável pela licitação poderá convocar a microempresa, empresa de pequeno porte ou microempreendedor individual sediado localmente, com proposta igual ou de até 10% acima do lance inicialmente considerado vencedor, dando-lhe a oportunidade de cobrir o valor e ser declarado vencedor.
Mas, e na Nova Lei de Licitações, por que aplicar o tratamento diferenciado previsto na LC nº 123/06?
SENÃO PELA REAL POSSIBILIDADE DA VALORIZAÇÃO DO COMÉRCIO LOCAL, ENTÃO PELA OBRIGATORIEDADE QUE A LEI TRAZ…
No novo regime, apesar da manutenção das prerrogativas conferidas às privilegiadas, houve mudança significativa, já que os benefícios somente serão aplicados nos certames cujo valor estimado do item (ou valor global) for inferior ou igual à receita bruta máxima admitida para fins de enquadramento como EPP, atuais R$ 4.800.000,00. E ainda, só se beneficiarão dos privilégios se a soma dos contratos eventualmente firmados com a Administração Pública no ano-calendário da licitação não ultrapassar essa quantia.
Em suma, com a NLL só haverá tratamento privilegiado quando o valor do item, no caso de licitação para aquisição de bens ou contratação de serviços em geral ou contratação de obras e serviços de engenharia, e ainda, dos contratos já firmados, for inferior a R$ 4.800.000,00. Superado esse valor, a ME, EPP ou MEI poderão participar normalmente da licitação, todavia, em igualdade de condições com as demais empresas, sem olvidar das consequências no caso de descumprimento da proposta e do contrato.
Essa hipótese reflete, sem dúvida, a preocupação com a real estrutura e fôlego para honrar os ajustes firmados com a Administração Pública, já que não basta contratar, é preciso efetividade nas compras públicas.
Importante destacar (e acompanhar o desfecho) que está em trâmite no Congresso Nacional, o Projeto de Lei Complementar nº 108/2021, onde se discute a majoração dos valores de enquadramento. De acordo com a proposta, para o MEI, passará dos atuais R$ 81 mil para R$ 144.913,41; para microempresa, saltará de R$ 360.000,00 para R$ 869.480,43; e para empresa de pequeno porte, subirá de R$ 4,8 milhões para R$ 8.694.804,31. (Fonte: Agência Câmara de Notícias).
Assim, sendo induvidosa a contribuição das ME’s, EPP’s e MEI’s para o desenvolvimento econômico e social do país, revela-se estratégico e imprescindível o incentivo legal para sua efetiva participação nas compras públicas, sem ignorar, por certo, que as regras introduzidas pelo novo marco legal para as contratações públicas visam, também, garantir a execução dos contratos e conclusão dos serviços, consistindo em ação de governança que deve constar dos programas de transição, o preparo do comércio local para a NLL, sob pena de se adiar tão importante incremento na economia dos municípios, verdadeira premissa das contratações da nova era das compras públicas.