O art. 84 da Nova Lei de Licitações prescreve que após a vigência de 1 ano o prazo da Ata de Registro de Preços – ARP poderá ser prorrogado, por igual período, desde que comprovado o preço vantajoso.
A questão cerne consiste na possibilidade ou não de renovação dos quantitativos inicialmente registrados, quando da sua prorrogação.
Se nos aprofundarmos no tema, após muitas discussões encontramos duas correntes contrárias, uma que defende a possibilidade de renovação dos valores com a renovação da vigência da ARP, e outra que entende que os valores não poderão ser renovados com a vigência do instrumento por novo ano, ambas com consistentes fundamentos.
Contudo, para quem se propõem ao enfrentamento da NLL escrevendo e escancarando a sua posição sobre o novo regime, crítica que sou tanto quanto sua fã, não há que ser desprezada uma “boa oportunidade” de evidenciar minha posição, ainda que não pretenda com ela desafiar posições contrárias, reservada a possibilidade de mudar de entendimento com o amadurecimento do novo regime licitatório, por sérios e importantes debates que se formam em torno do tema.
O próprio professor Ronny Charles já ressaltou que mudou de posição sobre a possibilidade de renovação do saldo da ata juntamente com a sua vigência.
Nesse norte, para a apreciação requerida, é necessário se desvincular das interpretações anteriores que se relacionam à velha lei de licitações e iniciar pela pretensão do legislador, que intenta “criar um novo regime” e para tanto, novas regras e novas interpretações serão necessárias.
Dentre os fundamentos que defendem que o quantitativo não poderá ser renovado com a prorrogação da Ata de Registro de Preços, na vanguarda da tese impera a decisão do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, com argumentos que vêm sendo defendidos desde a velha e superada Lei 8.666/93. Minha tese, que é em sentido contrário, tem simples argumentos:
Se o legislador não acrescentou explicitamente no texto do art. 84 da Lei 14.133/21 qualquer condição (como a existência de saldo na ARP para a sua prorrogação por mais um ano), sentido algum faria interpretar agora o texto com qualquer condição, sob o pretexto de estender os velhos entendimentos à nova lei. Com todo o respeito que a Lei 14.133/21 merece, parece mesmo ter sido a intenção do legislador possibilitar a prorrogação da ata renovando o seu saldo, inclusive porque, fácil seria a resolução da problemática pela via usual, ante a formalização de contrato para a
utilização do resíduo quantitativo, como admitido na velha Lei 8.666/93. Sobre o tema, assim dispõe o professor Ronny Charles em artigo recentemente publicado[3]:
Inicialmente, nas edições anteriores de nosso livro Leis de licitações comentadas, defendemos precipitadamente que eventual prorrogação da ata não teria o condão de permitir a renovação dos quantitativos firmados inicialmente na licitação. Importante salientar, este entendimento era majoritariamente adotado na égide da Lei n. 8.666/93, quando a prorrogação da ARP se dava apenas dentro do prazo de 12 meses. Neste período, inclusive, o TCU externou entendimento de que a prorrogação da ata de registro de preços, não permitiria o restabelecimento dos quantitativos inicialmente fixados na licitação. Assim, inicialmente, entendíamos que o entendimento firmado outrora, na legislação anterior, deveria ser mantido agora com a aplicação da Lei nº 14.133/2021.
Todavia, melhor refletindo sobre o assunto, mudamos nosso entendimento.
E ainda:
Ao buscar a interpretação de um texto legal, é fundamental soltar velhas poitas, respeitando a autonomia normativa do texto produzido pelo legislador para evitar o equívoco hermenêutico de tentar compreender a norma nova com olhos fitos no retrovisor que aponta para a norma antiga, prejudicando interpretações que respeitem a evolução pretendida pelo texto legal. Seguindo o importante alerta feito pela doutrina do Ministro Luis Roberto Barroso, deve-se rejeitar a patologia crônica da hermenêutica brasileira, de interpretar retrospectivamente o texto novo “de maneira a que ele não inove nada, mas ao revés, fique tão parecido quanto possível com o antigo.
Interpretar que a prorrogação admitida para ARP deveria ser compreendida como uma prorrogação em sentido estrito (inadmitindo, portanto, a renovação dos quantitativo) induziria o agente público competente a, para resguardar utilidade à prorrogação da ata de registro de preços, projetar o quantitativo previsto anualmente para um período de 24 meses. Assim, uma ARP envolvendo a pretensão contratual de fornecimento estimado em 10.000 unidades no ano, seria projetada com um quantitativo de, pelo menos, 20.000 unidades (para abarcar o quantitativo grosseiramente estimado para o período subsequente). Tal postura induzirá um planejamento impreciso e provavelmente seria recebida como uma indicação falsa ou superestimada do quantitativo pretendido pela Administração, algo que geraria desconfiança entre os fornecedores sérios, prejudicando a obtenção de melhores propostas, pelo aumento de risco, baixa fidedignidade da demanda informada e perda de confiabilidade do órgão licitante.
Sendo assim, me coloco na defesa dos argumentos que defendem que a Ata de Registro de Preços poderá ser prorrogada e seu saldo renovar-se-á no novo ano, sem qualquer afetamento à regra do planejamento anual, e, dessa forma, atendendo outros preceitos trazidos pela NLL que validam contratações plurianuais pela sua vantajosidade. No mais, entendendo ainda, que diversas discussões serão travadas ao longo dos próximos anos sobre o assunto, e defendo que o saldo da ARP pode ser renovado com a sua vigência (após 1 ano).
@opiniaosimoneamorim