É chegada a hora dos órgãos públicos repensarem a conduta de “não aplicação de penalidades” considerando que o decreto instituidor do pregão eletrônico enquanto obrigatório para a operacionalização das verbas federais, prescreve a punição como uma prática.
Em época de responsabilidade solidária e de modalidade eletrônica (que ouso apostar na breve superação da presencial), pautado na exigência de capacitação constante, e por isso, de maiores exigências também para os servidores que atuam na defesa do interesse público, defendo que o enfrentamento do tema “aplicação de penalidade” não vai se arrastar por muito tempo.
O Decreto 10.024/2019 impõe a obrigatoriedade de aplicação de penalidades próprias, que não deverá ser exclusividade da modalidade eletrônica, porquanto a aplicação no pregão certamente se estenderá para as modalidades tradicionais, cuja lei 8.666/93 normatiza desde a sua edição, e, por vezes, muitos órgãos se transformaram em verdadeiras “chacotas” pela sua condição de “bonzinhos”.
O resultado dessa postura descompromissada com as boas práticas vem sendo uma infinidade de empresas que não comparecem para assinar os instrumentos contratuais, que fornecem declarações falsas de beneficiadas da Lei Complementar 123/2006, que contratam com a administração e não se mantem adimplentes para com as fazendas, que entregam produtos sem qualidade e não viabilizam a substituição, centenas de realinhamento de preços que não poderiam ocorrer (e que nem são realinhamentos de fato), dentre tantos outros procedimentos irregulares que permanecem “impunes”.
Tenho dito em todas as oportunidades que o que facilita as fraudes é a impunidade, principal motivador das más intenções (quase sempre premeditadas).
Como dos recursos próprios devem cuidar os órgãos de controle interno e externo da respectiva jurisdição, a União tratou de normatizar a aplicação de penalidades para determinadas infrações para os seus recursos, como dito, forçando a extensão da prática também na aplicação dos recursos próprios, vez que a lei deve alcançar todos os iguais (e nesse sentido, o interesse público não pode ser diferente conforme a origem da verba), senão vejamos:
Art. 49. Ficará impedido de licitar e de contratar com a União e será descredenciado no Sicaf, pelo prazo de até cinco anos, sem prejuízo das multas previstas em edital e no contrato e das demais cominações legais, garantido o direito à ampla defesa, o licitante que, convocado dentro do prazo de validade de sua proposta: I – não assinar o contrato ou a ata de registro de preços; II – não entregar a documentação exigida no edital; III – apresentar documentação falsa; IV – causar o atraso na execução do objeto; V – não mantiver a proposta; VI – falhar na execução do contrato; VII – fraudar a execução do contrato; VIII – comportar-se de modo inidôneo; IX – declarar informações falsas; e X – cometer fraude fiscal. § 1º As sanções descritas no caput também se aplicam aos integrantes do cadastro de reserva, em pregão para registro de preços que, convocados, não honrarem o compromisso assumido sem justificativa ou com justificativa recusada pela administração pública. § 2º As sanções serão registradas e publicadas no Sicaf.
Com a aplicação do Decreto 10.024/2019 obrigatoriamente para os recursos advindos da união, verificaremos que a posição sacramentada do TCU (que inclusive possui cadastro de penalizados de consulta obrigatória na fase de habilitação do Pregão Eletrônico, vide a noticia do meu blog onde disponibilizo o link respectivo https://www.opiniaosimoneamorim.com.br/links-importantes/), no sentido de aplicação das penalidades após a abertura de processo disciplinar, consistirá num dever do servidor. Nesse sentido:
ACÓRDÃO 754/2015 – PLENÁRIO 1. Os gestores das áreas responsáveis por conduzir licitações devem autuar processo administrativo com vistas à apenação das empresas que praticarem, injustificadamente, na licitação, na contratação ou na execução contratual, ato ilegal tipificado no art. 7º da Lei 10.520/02, sob pena de responsabilização. 2. A aplicação da sanção de impedimento de licitar e contratar com a União, estados, Distrito Federal ou municípios, em face de irregularidade elencada no art. 7º da Lei 10.520/02, não depende da comprovação de dolo ou má-fé. Requer tão somente a evidenciação da prática injustificada de ato ilegal tipificado nesse dispositivo legal. Orientou as unidades para que instaurem tais procedimentos sempre que as licitantes incorrerem injustificadamente nas práticas previstas na aludida norma, sob pena de responsabilização do agente.
Dessa forma, a empresa que declara consciência aos documentos que deve apresentar na habilitação e não apresenta tais documentos, ou que dá um lance e não mantém a proposta será penalizada:
“Os licitantes poderão retirar ou substituir a proposta e os documentos de habilitação anteriormente inseridos no sistema, até a abertura da sessão pública”. Aberta a sessão pelo pregoeiro, no dia e hora” (Artigo 26, § 6º do decreto 10.024/19).
Para a aplicação da pena nós temos a necessidade de desdobramento do tema em “dosimetria de multa” considerando, dentre outros, a existência ou não de má-fé, a potencialidade da infração, a razoabilidade da pena.
Em resumo, a legislação do pregão aplica o impedimento de licitar e contratar com a esfera administrativa do órgão que aplicou a sanção (se a aplicação foi pela União, o impedimento é de participar de licitações em qualquer órgão da esfera federal, se for por um Estado, a empresa fica impedida de participar de licitações apenas nos órgãos daquele Estado e se quem aplicou a sanção foi um município, o licitante apenas não participará de certames dos órgãos daquele Município).
No caso da Lei 8.666/93, se a sanção aplicada foi a suspensão prevista no artigo 87, III, a empresa sancionada somente não poderá participar de certames e contratações no órgão ou na entidade que, efetivamente, aplicou a penalidade , porém se a penalidade aplicada for a declaração de inidoneidade, com fundamento no art. 87, IV da Lei nº 8.666/93, aquele licitante não poderá participar de licitações e contratações em todo o Brasil, pois será inidôneo em todo o território nacional, veja aqui meu artigo A Diferença Entre As Penalidades Das Licitações.
Verificamos, portanto, a importância de consultar os cadastros de penalidades em toda contratação pública (consulte aqui a notícia postada em meu blog com os links de consulta obrigatória) no momento da habilitação, procedimento muitas vezes não cumprido, mas que não deve consistir em obrigatoriedade apenas para o pregão, motivo pelo qual defendo que as práticas impostas para a modalidade eletrônica na aplicação dos recursos da União, serão estendidas para a aplicação dos recursos próprios também,
A prática da aplicação das penalidades insere o órgão no contexto das boas condutas e o desdobramento em dosimetria exige regulamentação própria, motivo pelo qual a regulamentação do Pregão Eletrônico, como tenho defendido, ocasionará um “efeito cascata” alterando a realidade dos municípios doravante, seja ou não ele adepto das mudanças dos novos tempos.
Um forte abraço!